segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Ela faz cinema,ela faz,ela é a tal.


''Não.

Não aguento mais tanta água!

Não,eu não quero tomar mais banho.

Não,eu não quero mais enxaguar-me nessa água.


Me.

Me coloque fora disso!

Me?

A minha pessoa!

Não,eu não quero mais pensar nessa água.

Vai,pega a toalha aí.


Enxuga-me as lágrimas!

Vai,anda logo,estou  necrozando !

Puxa-me os cabelos,me leva para um lugar verde.


Júlia ''



Assustei-me quando li esse ''bilhete poema'' de minha querida filha de 45 anos,não entendia como;por que causa ou consequência ela se comportava assim,ela nunca foi mimada,nunca!Sempre foi forte,claro,teve seus momentos de choro,de fraqueza;mas,sempre no outro dia,como quem diz na mesma hora ,quase,estava ela sempre bem.Introspectiva,mas,bem consigo.
Liguei para seu ex-marido,não atendeu. Liguei para minha Neta,mas,ela não sabia o que havia acontecido.

Conheço minha filha,quando ela pede um lugar verde,as coisas não andam funcionando bem.
Até que o telefone tocou ,e eu já tinha lido e relido inúmeras vezes esse bilhete,tentando "captar" o que minha querida estava sentindo.Era ela,sua voz tremula,mas,forte como uma pedra de milhões de anos atrás,fortificada com brasas.
Falava-me que perdeu a razão,que perdeu a paixão,que perdeu o amor.

Senti que estava mentindo.
Respirei fundo,pedi-lhe que me falasse a verdade.
E ela,percebendo que não enganaria-me disse:
- Mamãe,cansei de ser durona.

Houve um silencio absoluto,a ligação acabou.
Sabia que Júlia voltaria a ligar ou chegaria em nossa casa a qualquer instante.
Júlia pensava que sua mãe não entenderia,não merecia escutar o que ela tinha pra dizer,e nem mesmo ela sabia o que tinha para dizer.Ela estava tonta,mas,tinha que parecer muito bem,tinha que terminar de gravar seu curta.

A mãe de Júlia esperou-a,esperou-a,mas,cansou-se de esperar.Ligou.
Júlia não atendeu e sua mãe pensou que estivesse acontecendo realmente alguma coisa;
Dona Leopoldina não aguentou a demora da filha e saiu com seu fusca amarelo até o estúdio onde a filha estaria.Mas,não achou-a.Foi até uma praça perto,onde tinha verde.Achou sua filha;estava gravando.Esperou-a,reparando a roupa que sua filha estava vestida; uma calça jeens com aparência de suja de cor azul clara,com uma blusa preta,mochila no chão,máquina na mão.Olhou firmemente a atriz que dizia na hora:Eu quero que leve-me para um lugar verde.
Leopoldina não estava entendendo mais nada,mas,sua filha tinha arrumado uma cilada,aquele bilhete era apenas uma inspiração,aquele telefonema estava sendo gravado,Júlia queria tudo muito real.E quem dublaria a atriz ,era ela. Sua mãe soube disso horas depois.






E gravaram juntas a música de Chico Buarque,Leopoldina,claro,com olhos chorosos:
Quando ela chora
Não sei se é dos olhos para fora
Não sei do que ri
Eu não sei se ela agora
Está fora de si
Ou se é o estilo de uma grande dama
Quando me encara e desata os cabelos
Não sei se ela está mesmo aqui
Quando se joga na minha cama
Ela faz cinema
Ela faz cinema
Ela é a tal
Sei que ela pode ser mil
Mas não existe outra igual
Quando ela mente
Não sei se ela deveras sente
O que mente para mim
Serei eu meramente
Mais um personagem efêmero
Da sua trama
Quando vestida de preto
Dá-me um beijo seco
Prevejo meu fim
E a cada vez que o perdão
Me clama
Ela faz cinema
Ela faz cinema
Ela é demais
Talvez nem me queira bem
Porém faz um bem que ninguém
Me faz
Eu não sei
Se ela sabe o que fez
Quando fez o meu peito
Cantar outra vez
Quando ela jura
Não sei por que Deus ela jura
Que tem coração
e quando o meu coração
Se inflama
Ela faz cinema
Ela faz cinema
Ela é assim
Nunca será de ninguém
Porém eu não sei viver sem
E fim.

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Diz!